Leitura critica do Livro "A greve dos mendigos" da Senegalesa Aminata Sow Fall por Francisca Noronha
“A Caridade abre portas, uma última moeda, portanto, para abrir a porta do Coração do Presidente” (Leitura do Livro “A Greve dos Mendigos”)
Por: Francisca Noronha
“Não percebo nada
disso. Vocês, os da cidade, vocês é que percebem esses problemas. Então, já
ninguém lá deve mendigar?” é uma das passagens do livro “A Greve dos Mendigos”
da autoria da escritora senegalesa Amina Sow Fall lançado este ano em
Moçambique pela Ethale Publishing.
Trata-se de um livro que acima de tudo nos faz construir
perguntas sobre como vivemos na cidade. Aliás, enquanto lia, colocava-me a
perguntar-me: Que cidade não tem mendigos? O que é uma cidade? Porque
combatemos os mendigos? Se nem sequer temos Infraestruturas, e sobre Cidades, o
que é uma cidade se não infraestruturas e serviços sociais básicos? Lembro de
há poucos dias ter tido esta conversa com um amigo e chegamos a conclusão de
que afinal “espaço geográfico” é outra coisa e que as cidades são uma
construção social.
O senhor “Dr.” Mour Ndiaye (personagem do livro), que na
qualidade de Director é incumbido a missão de “txunar a cidade” um projecto que
me lembrou o nosso “TXUNA MAPUTO”, que espelha um pouco da política do dia.
Portanto, movido pela cede de tornar-se o Ministro, que se vê mergulhado em uma
luta contra os mendigos, usa as suas capacidades e recursos que o estado
oferece, para “limpa-la” ou seja, varrer a cidade de mendigos, eu diria, varrer
a cidade de mamanas vendedeiras de rua.
O livro me leva a arrolar vários assuntos actuais. Lembro-me
de um vídeo que circulava nas redes sociais daquela senhora que fora arrancada
por agentes da policia um baldinho e um plástico azul que continha o pouco que
conseguia vender, ali na baixa da cidade de Maputo. Ao contrário dos marributos
desta lúdica obra a senhora seguiu e implorava a polícia e ao seu carro que
lhos devolvessem, mas aqueles polícias sem piedade parecem-se com estes
descritos aqui que também queriam txunar a cidade e desinfectá-la de gente
“suja e sem dignidade”.
Este livro fala-nos de uma Acra, Nairobi ou uma Maputo
Txunada com sucesso, onde os mendigos e tantos outros marributos considerados
uma “podridão e vergonha” para a cidade foram varridos, aliás estes varreram-se.
É preciso sublinhar que poucas são as políticas públicas que combatem a pobreza
e a mendicidade. Apenas se combate o pobre e o mendigo. Mas do que criar
condições para que as pessoas deixem de mendigar, apenas varre-se.
O Dr. Mour Ndiaye curiosamente com sua cede desenfreada
pelo poder visitará uma palhota onde fora dito que devia resgatar os mendigos
que expulsara para servir-se da caridade para conquistar as graças do bom Deus,
ora este não sei se será um Deus preto ou branco, se quer sei se é homem ou
mulher, mas este fora impiedoso/a no uso de suas competências colocou-lhe num
braço de ferro com uma senhora “Domadora de políticos abutres” de nome Salla Niag a Timoneira que mobiliza os
mendigos para uma extraordinária e memorável arruaça, uma Greve sem luta, sem
gás lacrimogênio, sem chambocos e blindados, uma greve sem voz, com cara mas
sem marcha, uma greve sem fome e com fartura, enfim como diz a autora:
“A cidade está em vias de vos desumanizar, de endurecer
os vossos corações a ponto de que já não tenham piedade pelos fracos.”
Por outro lado, é muito presente e marcante a figura do
Nguirane Sarr, um dos mendigos, um cego, “sempre engravatado, com o colarinho
engomado e imundo, óculos escuros, de armações douradas, com roupa eternamente
Azul-marinho e de bengala branca. Tem qualquer coisa de distinto, esse Sarr,
talvez por causa da sua cabeça, que anda sempre levantada bem alto e
ligeiramente inclinada para a esquerda. O seu ponto estratégico é a rotunda da
presidência para receber a moeda pesada da promessa que simboliza o último acto
de caridade antes da audiência com o presidente da república”.
Acho que uma das formas de celebrar o Natal pode ser
através da leitura do livro: “A Greve dos Mendigos” a qual aconselho a sua
leitura. Este livro é um ode a humanidade. É um exercício de caridade, esta que
“abre portas, uma ultima moeda, portanto, para abrir a porta do Coração do
Presidente”.
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