“Segurava uma AK47 na mão direita. A mão esquerda estava levantada a proteger a cara enquanto olhava para o outro lado do rio, como fizera muitos anos, através de montes e vales, pelos quatro cantos do globo. Já tinha acabado, mas sabia que ainda tinha de ter cuidado.
Um cavalo sem cavaleiro passou por ele a galope. Parou, olhou para trás por um instante e depois desapareceu por entre as árvores. Isto lembrou-lhe os cavalos que o Colono Williams e os seus amigos montavam inúmeras vezes quando iam caçar raposas acompanhados por matilhas de cães bem nutridos.
Parecia ter sido há tanto tempo; e, no entanto… O que os colonos adoravam derramar sangue!...Vestiam-se de vermelho, e o cavaleiro que chegasse à raposa primeiro, cortava-lhe o rabo em jeito de troféu; depois espalhava o sangue da raposa na cara de uma mulher…sim, parecia ter sido há imenso tempo…, mas bem, não há noite que seja tão longa que não acabe com a madrugada…esperava que o último dosproblemas coloniais desaparecesse com a descida aos infernos do Colono Williams.
O sol acabava de nascer, e a terra ainda estava envolta em nevoeiro. Não conseguia ver bem ao longe, nem muito mais do que à sua volta. Era de meia idade, alto e bem constituído. Usava um chapéu de abas largas, preso debaixo do queixo, com o topo decorado com uma fita fina de missangas de muitas cores. O casaco de leopardo, que já perdera boa parte da pele original, caía sobre as calças de veludo cotelê até aos joelhos. As botas que usava estavam cobertas de remendos”.
(Autor: Ngügï Wa Thiong'o. Título: Matigari. Edição em Português pela: Ethale Publishing).